Alexandre Soares dos Santos acusou o governo de estar a mentir quando diz que Portugal não está em recessão económica e José Sócrates respondeu que o empresário era mal-educado. Raras vezes uma conversa que podia ter decorrido no recreio de uma escola primária ("Este menino está a mentir", "Aquele menino é mal-educado") terá conseguido ser tão interessante. Em primeiro lugar, há que ponderar se uma acusação pública de falta de educação não é, em si mesma, falta de educação. É falta de educação chamar a atenção para a falta de educação de outra pessoa? E será educado chamar a atenção para a falta de educação que é chamar a atenção para a falta de educação, como estou a fazer agora? Enfim, são dilemas cruéis, os que a etiqueta coloca. Não deixa de ser significativo que vários grandes filósofos tenham escrito grossos compêndios sobre ética e nenhum sobre etiqueta. Alguém andou a evitar as grandes questões, não foi sr. Kant?
A segunda questão interessante é o critério que o primeiro-ministro usa para detectar falta de educação em empresários. Os empresários que usam a "zona franca" da Madeira (que é o eufemismo com que as pessoas educadas designam um offshore) para pagar menos impostos (2435 empresas, 81,6% das quais não têm qualquer funcionário) nunca ouviram admoestações de José Sócrates, o que só pode significar que, para ele, são gente de uma cortesia irrepreensível. As empresas que têm "morada fiscal" na Madeira (que é o eufemismo com que as pessoas educadas designam uma ficção trapaceira) tiveram, em 2009, resultados líquidos de 3,7 mil milhões de euros. Caso tivessem "morada fiscal" fora da "zona franca", teriam pago ao Estado 750 milhões de euros em impostos. Assim, pagaram apenas 5,9 milhões. O que, faltando um pouco à ética, respeita a etiqueta - que, como o próprio nome indica, é uma ética pequenina.
É possível que uma das causas da recessão seja precisamente o facto de certas empresas não pagarem os seus impostos, o que adensa o problema. Neste caso, os empresários que respeitam a etiqueta podem ter provocado a falta de etiqueta do empresário que Sócrates repreendeu, uma vez que, se não fosse a conduta dos primeiros, o segundo não teria uma recessão para, com a falta de educação que se conhece, apontar. Se o leitor não tem formação em ética e etiqueta, não tente pensar sobre isto em casa. Faz dor de cabeça.
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