É absurdo dizer que o caso BPN não é a questão essencial das eleições presidenciais porque, em rigor, não há questões essenciais nas eleições presidenciais
Primeiro, Manuel Alegre sugeriu que poderia ter havido desonestidade de Cavaco no caso BPN. Depois, Cavaco insinuou que talvez houvesse desonestidade de Alegre nessa sugestão de desonestidade de Cavaco no caso BPN. O eleitor só pode agradecer que este renhido campeonato de desonestidade lhe distraia a atenção da crise. Antigamente, o bom povo contava apenas com o futebol para se alienar das dificuldades da vida. O problema é que, ao que se diz, o futebol é um meio onde há alguma desonestidade. Fazia falta ao cidadão um entretenimento decente, com a lisura que só uma eleição presidencial pode garantir. Que a política passe a fornecer distração para as agruras da própria política é, aliás, um avanço que se saúda. Quando estivermos mais desafogados (na eventualidade de esse momento alguma vez surgir), talvez o futebol possa voltar a distrair-nos da política. Mas, em tempo de poupança, é bom que as atividades proporcionem distração para si mesmas.
Claro que, como sempre sucede nestes casos, há uma boa quantidade de chatos a gritar que a questão do BPN não é central na campanha, e que se devia discutir menos as ações de Cavaco no banco e mais as inações de Cavaco na presidência. Que, tendo em conta a gravidade da crise, a vida bancária do Presidente é uma questão marginal. Não é verdade. Primeiro, porque o caso das ações de Cavaco deve ser investigado até ao fim. Se, de facto, Cavaco conseguiu um lucro de 140% com ações que nem sequer estavam cotadas na bolsa, pode ser o homem certo para ocupar o mais alto cargo do País. Basta que gira o orçamento de Portugal como soube gerir o seu. Por azar, Oliveira e Costa está preso, o que impede o País de comprar a uma sociedade gerida por si ações a um euro e vendê-las a 2,4. No espaço de dois anos, seríamos a Noruega da Península Ibérica.
Segundo, é absurdo dizer que o caso BPN não é a questão essencial das eleições presidenciais porque, em rigor, não há questões essenciais nas eleições presidenciais. Recordo que Cavaco Silva diz ter previsto exatamente o que aconteceu ao País. Há quase uma década, Cavaco previu que hoje nos encontraríamos no estado em que realmente estamos. O facto de a sua profecia se ter concretizado significa que não pôde fazer nada para impedir a sua concretização. Quem não fazia a mínima ideia de que o País caminhava para a catástrofe económica pode alegar que não interveio por desconhecer que a crise tinha esta dimensão. Cavaco diz que sabia exatamente o que se ia passar. Logo, o cargo de Presidente da República não confere ao seu titular poderes especiais. Toda a gente o sabe, aliás. Só por pudor é que não são esgrimidos nos debates argumentos como "Eu sou mais decorativo do que o senhor" ou "Disparate. Eu sou claramente o candidato que melhor enfeita um cento de mesa". O nome do cargo diz tudo: Chefe de Estado. Se queremos alguém que faça qualquer coisa não faz sentido elegermos um chefe. Talvez um Trabalhador de Estado fosse mais eficaz, quando não estivesse a fazer greve.
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