É muito raro que dois mercados caiam no mesmo dia, porque os jornalistas de economia não deixam. Quando um mercado cai, o outro derrapa. E, provavelmente para refrear os ânimos especulativos, quase nunca se verifica a existência de mais do que um mercado a subir. Se um sobe, o outro avança
Os problemas relacionados com a dívida soberana trazem, apesar de tudo, algumas vantagens notáveis. A primeira é o facto de a dívida soberana ser, como o próprio nome indica, soberana. É muito reconfortante saber que ainda há alguma coisa soberana em Portugal, mesmo que seja apenas a dívida. Quando toda a nossa política é definida pela União Europeia, dá gosto saber que a dívida se mantém firme na sua teimosa e patriótica soberania. Neste momento, é um dos símbolos da nacionalidade. A bola amarela que vemos no centro da bandeira nacional tem agora um duplo significado: é a esfera armilar e representa também um dos muitos zeros da nossa dívida soberana.
A segunda vantagem é que mesmo leigos em economia e finanças, como eu, dão por si a prestar atenção à informação sobre os mercados, para ir avaliando o estado do nosso endividamento e da nossa economia em geral. Depois de ter estudado profundamente os serviços de informação económica, estou em condições de apresentar uma conclusão preliminar: nos mercados, além da especulação financeira, há especulação lexical. Quando as bolsas têm um dia mau, ficamos a saber que Nova Iorque perdeu, Paris derrapou, Madrid regrediu, Tóquio tombou, Londres caiu e o PSI 20 deslizou. Se os mercados se animam, somos informados de que Nova Iorque subiu, Paris avançou, Madrid cresceu, Tóquio somou, Londres ganhou e o PSI 20 valorizou. É muito raro que dois mercados caiam no mesmo dia, porque os jornalistas de economia não deixam. Quando um mercado cai, o outro derrapa. E, provavelmente para refrear os ânimos especulativos, quase nunca se verifica a existência de mais do que um mercado a subir. Se um sobe, o outro avança. É curioso que uma atividade tão repetitiva como o comércio financeiro tenha um horror tão evidente à repetição.
No entanto, se indiscutivelmente contribui para a elegância dos noticiários financeiros, evitando repetições que poderiam estragar a beleza daquelas listas de índices e percentagens, o recurso aos sinónimos pode ser perigoso, sobretudo num meio em que o rigor é fundamental. Na verdade, perder não é o mesmo que derrapar. Um mercado que tomba não parece poder levantar-se, ao passo que um mercado que cai dá ao investidor a sensação de que pode voltar a erguer-se mais facilmente. Do mesmo modo, e embora os jornalistas pretendam referir-se à mesma coisa, confio mais num mercado que cresce do que num que ganha, na medida em que o primeiro aparenta estar a fazer um esforço sustentado para se tornar maior e mais forte, enquanto o segundo se limitou a um ter um ganho que pode ter sido pontual e até fruto do acaso. Percebe-se melhor o que quero dizer se pensarmos na distância que separa as expressões "O Sporting cresceu" e "O Sporting ganhou". Creio que a ERC deveria recomendar maior cuidado aos jornalistas que nos dão informações sobre o modo como Nova Iorque negociou, Paris especulou, Madrid agiotou, Tóquio endrominou, Londres usurou e o PSI 20 trapaceou.
Sem comentários:
Enviar um comentário