segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Presidenciais: um balanço linguístico


As eleições presidenciais do passado fim de semana trouxeram à linguística o mesmo que haviam trazido à política: nada de novo. Limitaram-se a confirmar tendências. Quase todos os candidatos fizeram mais uma vez referência às dificuldades por que passam as pescas, setor de atividade que continua a ser o único a merecer um plural: não é a pesca, são as pescas. Nenhum quadrante ideológico se preocupa com as agriculturas, ou com as educações, mas as pescas são, ao que parece, de uma multiplicidade que provavelmente explica a razão de serem mais atreitas a problemas.


As queixas de um dos candidatos acerca dos "mídia" vieram reforçar uma espécie de preceito ligeiramente babilónico que estipula que as palavras de uma língua sejam pronunciadas com sotaque de outra. "Mídia" mais não é do que a palavra latina "media" pronunciada com sotaque inglês. Se optasse pela pronúncia correta "media", o candidato estaria apenas a revelar ao eleitorado que sabia latim. Pronunciando "mídia", mostra que sabe latim e inglês - só com uma palavra. É o máximo de erudição com o mínimo de meios, o que pode constituir vantagem política na medida em que documenta uma capacidade extraordinária para a gestão e aproveitamento de recursos.


Nas assembleias de voto, registou-se fenómeno semelhante. Por causa dos problemas levantados pelo cartão do cidadão (problemas cuja responsabilidade é da administração interna, e não, como sucede com as pescas, das administrações internas), vários eleitores tiveram de se dirigir a uma sala especial, onde um funcionário da junta de freguesia os intimou a retirarem um "tiquê". "Tiquê" é, na tradição de "mídia", uma palavra de uma língua pronunciada com o sotaque de outra. Trata-se da palavra inglesa ticket dita com sotaque francês. "Tiquê." Acaba por ser milagroso que um povo que pronuncia palavras latinas à inglesa e palavras inglesas à francesa consiga, ainda assim, fazer-se entender.


Estas questões, que ao leitor talvez pareçam insignificantes, são verdadeiramente importantes - quer linguística quer politicamente. Respeito quem diz "camião", e nada me move contra quem diz "bidon". Mas não confio numa pessoa que me diga: "Tenho o camião cheio de bidons." Toda a incoerência, a incapacidade de seguir um rumo e a falta de caráter de uma pessoa estão reveladas na frase: "O biberon sujou-me o edredão." Quem diz "camião" tem de dizer "bidão", bem como quem diz "biberon" deveria ser, ética e gramaticalmente, obrigado a dizer "edredon". Se houvesse justiça, seria mesmo fisicamente impossível que um biberon sujasse um edredão, e que um biberão sujasse um edredon. No entanto, certos referentes, em manifesta falta de respeito para com os significantes acabados em "ão", sujam outros referentes que, por serem designados através de significantes acabados em "on", deveriam estar imunes à sujidade provocada pelos referentes anteriormente referidos - como aliás me parece claro e evidente.


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