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Biodiversidade é uma palavra mais rica em Portugal do que no resto da Europa. Por razões pré-históricas, não porque tenhamos feito grande coisa para isso: a última glaciação tornou o Velho Continente num local inóspito e a Península Ibérica (mais temperada e protegida pelos Pirenéus) num refúgio para muitas espécies. É por essa razão que temos vários animais e plantas únicos no mundo. E é também por isso que este cantinho minúsculo ocupa um surpreendente terceiro lugar no ranking europeu de áreas com interesse especial de protecção. Se as nossas fauna e flora são motivo de orgulho, a forma como temos cuidado delas tem sido soluçante, feita de sucessos e fracassos. Uma história de vitórias, como atingir-se a marca de 20% do território com um qualquer estatuto de protecção ou triplicar o número de grifos em dez anos, e de derrotas, como a eterna chaga dos fogos florestais ou o triste facto de continuarem a aparecer abutres envenenados. Ainda assim, garante o presidente do Instituto para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade, o saldo é positivo. "A curva não é homogénea, mas é crescente", garante Tito Rosa. "Nas últimas décadas, deram-se passos significativos, do ponto de vista da consciência social e da regulamentação, mas falta investir mais na informação das pessoas e na mudança de atitudes ", acrescenta, apontando a pressão imobiliária e o abandono de práticas agrícolas tradicionais como dois dos maiores inimigos da nossa biodiversidade. Carlos Teixeira, vice-presidente da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), admite que se evoluiu muito, sublinhando a Lei de Bases do Ambiente e a transposição das directivas europeias Habitats e Aves, mas não deixa de recordar que não se fez tudo o que era necessário. "A extinção de algumas espécies, como é o caso da águia-pesqueira, significou um fracasso", destaca. "É um desafio garantirmos que não haverá mais nenhuma não só de fauna, mas também de flora." Já Susana Fonseca, presidente da direcção nacional da Quercus, salienta a responsabilidade acrescida de Portugal e Espanha como guardiães de uma Natureza farta, cargo que nem sempre é bem cumprido. "Mas não somos muito diferentes de outros países europeus. A própria Comissão Europeia reconheceu recentemente que não consegue travar a perda de biodiversidade, que continua a estar em segundo plano, em detrimento de grandes infra-estruturas. Ninguém lhe dá o valor devido", conclui, apontando o dedo ao Programa Nacional de Barragens. Como degraus históricos na conservação, em Portugal, os dois ambientalistas dão o exemplo do lince-ibérico. Mas, supreendentemente, com pontos de vista opostos. Carlos Teixeira, da LPN, apresenta o emblemático animal como prova de que valeu a pena não dar o caso como perdido, apostando na recuperação do seu habitat. "Os resultados já se começam a notar, com a recolonização de algumas áreas, além da reprodução em cativeiro estar a ser bem sucedida", diz. Mas Susana Fonseca, da Quercus, apesar de reconhecer os avanços recentes, lembra que este continua a ser o felídeo mais ameaçado do mundo. E que isso tem um importante significado simbólico. "Como é que nós, um país desenvolvido, podemos criticar a desflorestação da Amazónia quando nem sequer conseguimos proteger o lince?" |
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