sexta-feira, 30 de março de 2012

'Dobermanns' de crachá

A ambulância rasga as ruas de Lisboa a alta velocidade. No interior, seguem dois homens.
Estão sentados frente a frente, em silêncio. João Pereira, 39 anos, tem a camisa e o blazer manchados com gotas e fios de sangue. O técnico superior da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género leva a mão à cabeça, verificando o curativo que lhe fora aplicado pelos bombeiros, no Chiado. Nunca antes sangrara daquela zona do corpo, e nunca pensou que isso acontecesse durante uma marcha por melhores condições de vida.
João não é jornalista, nem pertence a nenhuma organização sindical ou movimento cívico. Naquela quinta-feira, 22, decidiu, juntamente com duas amigas, fazer greve e juntar-se à multidão que percorreu a Baixa lisboeta.
Quando subia a Rua Garrett, numa altura em que o Corpo de Intervenção (CI) da PSP já recebera ordem para varrer os manifestantes, recorda-se de sentir uma "paulada" na cabeça forte o suficiente para lhe perfurar a pele. "Tenho a certeza de que era um bastão, não tive tempo de olhar para trás, só queria sair dali." O destino haveria de lhe pregar mais uma partida nesse dia. Minutos depois de ser agredido teve de partilhar o transporte para o hospital com um agente da PSP, ferido na face, na sequência do arremesso de uma chávena de café. João rangeu os dentes para se manter em silêncio. "Nunca mais vou olhar para a polícia da mesma forma", garante o técnico, que trabalha com vítimas de violência doméstica.
A VISÃO enviou várias questões para a direção nacional da PSP, na expectativa de que algum responsável da instituição ajudasse a esclarecer o comportamento dos polícias que estiveram de serviço naquele dia. As respostas nunca chegaram.
Vários agentes disseram-nos que não compreendem porque foi ordenado ao CI que avançasse no terreno, sabendo-se de antemão que esta unidade especial funciona habitualmente como um rolo compressor, e está mais habituada a lidar, de forma indiscriminada, com a agressividade dos adeptos das claques de futebol. "Foi como levar um dobermann para uma luta de gatos", refere um elemento do CI, sob anonimato. "Qualquer oficial da PSP sabe que o nosso modo de atuação é sempre mais ruidoso", diz. 
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