segunda-feira, 30 de maio de 2011

Ricardo Araújo Pereira > Em defesa das hastes queratinizadas da região frontal da pelve


Foi uma semana normal para um eleitor de esquerda como eu: discordei tanto do PSD como do PS. Do PSD, porque Eduardo Catroga lamentou que, em Portugal, se discutissem apenas pintelhos; do PS, porque José Sócrates pediu uma campanha sem brejeirices. Muito mal e muito mal. Vamos por partes.

Ao contrário do que disse toda a comunicação social, Catroga não falou em "pentelhos". Referiu-se a "pintelhos", o que, sendo a mesma coisa, é bastante diferente. É apenas justo que haja, nesta questão dos pentelhos, certos pentelhos que seja preciso minudenciar. O dicionário consagra a palavra "pintelhos" como a forma popular do vocábulo grosseiro "pentelhos". Significa isto que Catroga não quis apenas ser grosseiro, quis também ser popular. São duas atitudes que prezo, e que me aproximariam de Catroga. Infelizmente, o desassombro com que trouxe os pentelhos para o centro do debate político foi admirável apenas até ao momento em que percebemos que a sua intenção era excluir os pentelhos do centro do debate político. Isto é, durou um pentelho. Este é talvez o ponto em que a honestidade me manda declarar que considero doente todo o leitor que prefira discutir programas políticos a falar de pentelhos. Tenho comigo o padre José Agostinho de Macedo, que cantou certo "vestidinho / que, entre as pernas metido, à proa mostra / da pentelheira cabeluda a sombra". Firme ao meu lado está também Bocage, por ter notado que, em determinada donzela "de louro pelo um círculo imperfeito / os papudos beicinhos lhe matiza". Tenho ainda junto a mim, mas à minha frente (não vá o diabo tecê-las), António Botto, que celebremente admirou a circunstância de certo rapaz não "ter pentelho nenhum". E connosco está também João César Monteiro, refinado tratadista de pentelhos. Nenhum destes homens dedicou uma linha que fosse à taxa social única, facto que devia fazer Eduardo Catroga meditar.

Quanto a José Sócrates, fez uma sugestão que só pode ser classificada como antidemocrática. Quando pede uma campanha sem brejeirices está, na verdade, a apelar ao fim da campanha. A menos que se tenha um vocabulário particularmente vasto, é quase impossível descrever o estado a que o País chegou sem recorrer a brejeirices. Conheço lexicógrafos que não conseguem.

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