terça-feira, 19 de abril de 2011

Ricardo Araújo Pereira - Os três porquinhos e o 'subprime' mau


Seria justo que, ao lado de uma notícia que diz "Mercados consideram que o país está a um patamar do lixo", houvesse outra cuja manchete fosse: "Portugal tenta renegociar a dívida junto dos chulos". O problema é que os mercados, além de deterem o capital financeiro, detêm ainda o capital semântico

Primeiro, Portugal era um dos PIGS. Agora, estamos a um passo de ser lixo. Quando um país se move na alta finança é logo tratado com outra educação. As "agências de notação financeira" e os "mercados" dizem que o porco está a caminho do lixo. O porco somos nós. E o lixo também, o que é curioso - mas fisicamente improvável, uma vez que não é fácil alguém estar a caminho de si próprio.
Não deixa de ser interessante que estas opiniões dos mercados não sejam propriamente secretas. São publicadas nas primeiras páginas dos jornais. Há manchetes sobre o porco e reportagens acerca da distância a que ele está do lixo. Os mercados podem ter muitos defeitos, mas ao menos são sinceros. Se acham que um país é porco e caminha para o lixo, dizem-lho na cara.
Infelizmente, este tipo de linguagem só se tolera a quem usa gravata. A hipótese de Portugal ripostar parece estar posta de lado. Seria justo que, ao lado de uma notícia que diz "Mercados consideram que o país está a um patamar do lixo", houvesse outra cuja manchete fosse: "Portugal tenta renegociar a dívida junto dos chulos". O problema é que os mercados, além de deterem o capital financeiro, detêm ainda o capital semântico. Tudo o que seja capital, eles açambarcam. Um insulto na boca dos credores é realismo económico, na boca dos devedores é primarismo ideológico.
Esta evolução do jargão económico tem, como é evidente, pontos positivos. A substituição de palavras como subprime e rating por terminologia financeira como "porcos" e "lixo" é um contributo muito saudável para aproximar os cidadãos da vida económica. Pouca gente saberá ao certo o que é o subprime, mas não há ninguém que não saiba o que é um porco. Quanto menos bem sucedidos somos na economia, melhor dominamos o vocabulário técnico, o que é reconfortante. Antes da crise, eu não sabia bem o que poderia significar uma queda no rating. Agora, percebo perfeitamente que sou lixo. O que se perde de um lado em qualidade de vida, ganha-se do outro em conhecimento. A qualidade de vida tem sido sobrevalorizada. O conhecimento é que é importante.

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