quarta-feira, 13 de abril de 2011

Otelo: «Não fazia o 25 de Abril se soubesse como o país ia ficar»

Otelo Saraiva de Carvalho ouve todos os dias populares dizerem-lhe que o que faz falta é uma nova revolução, mas, 37 anos depois, garante que, se soubesse como o país ia ficar, não teria realizado o 25 de Abril.

Apesar de estar associado ao movimento dos «capitães de Abril» e aceitar o papel que a história lhe atribuiu nesta revolução, Otelo não esconde algum desânimo.
«Sou um optimista por natureza, mas é muito difícil encarar o futuro com optimismo. O nosso país não tem recursos naturais e a única riqueza que tem é o seu povo», disse, em entrevista à Agência Lusa.
Otelo lamenta as «enormes diferenças de carácter salarial» que existem na sociedade portuguesa. «Não posso aceitar essas diferenças. A mim, chocam-me. Os que se levantam às 5h00 para ir trabalhar na fábrica e na lavoura e chegam ao fim do mês com uma miséria de ordenado?», questiona.
Para este eterno capitão de Abril, o que mais o desilude são «questões que considerava muito importantes no programa político do Movimento das Forças Armadas (MFA) não terem sido cumpridas».
Uma delas era a «criação de um sistema que elevasse rapidamente o nível social, económico e cultural de todo um povo que viveu 48 anos debaixo de uma ditadura».
«Este povo, que viveu 48 anos sob uma ditadura militar e fascista, merecia mais do que dois milhões de portugueses a viverem em estado de pobreza», adiantou. Esses milhões, sublinhou, significa que «não foram alcançados os objectivos» do 25 de Abril.
Por esta, e outras razões, Otelo Saraiva de Carvalho garante que hoje em dia não faria a revolução, se soubesse que o país iria estar no estado em que está. «Pedia a demissão de oficial do exército, nunca mais punha os pés no quartel, pois não queria assumir esta responsabilidade». 

«Não teria feito o 25 de Abril se pensasse que íamos cair na situação em que estamos actualmente. Teria pedido a demissão de oficial do Exército e, se calhar, como muitos jovens têm feito actualmente, tinha ido para o estrangeiro», concluiu.
Nova revolução?
Para Otelo, bastam 800 militares para derrubar um Governo, mas «um novo 25 de Abril» só deverá acontecer com a perda de direitos dos militares.
Em entrevista à Agência Lusa, a propósito do livro «O dia inicial», que conta o 25 de Abril «hora a hora», reconhece que, ao contrário da sociedade em geral, os militares não têm demonstrado grande indignação pelo estado do país.
«Os militares pertencem à classe burguesa, estão bem, estão bem instalados, têm o seu vencimento, vão para fora e ganham ajudas de custo, são voluntários e os que estão reformados ainda não viram a sua reforma diminuída», justificou. 


Mas a situação pode mudar, porque «a coisa começará a apertar no dia em que os militares perderem os seus direitos».
«Se isso acontecer», sublinhou, «é possível que se criem as tais condições necessárias para que haja um novo 25 de Abril».

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