terça-feira, 21 de dezembro de 2010

«Portugueses complicam desnecessariamente uma língua que é uma obra-prima»

O Português é uma «obra-prima» vítima de «um processo de banalização gravíssimo» e a parcela de palavras empregues é «ínfima» face às possibilidades, afirma o filólogo Artur Anselmo, segundo quem faltam os puristas da Língua, escreve a Lusa.
Para o presidente do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, o Português está a ser vítima de «um processo de banalização gravíssimo», que faz com que, cada vez mais, «as pessoas falem todas da mesma maneira», empregando «uma parcela ínfima» dos vocábulos ao seu dispor.
Reduzido a menos de mil palavras
«Nós temos 110 mil palavras dicionarizadas – e não falo nas locuções, que aí iríamos para as 300 mil – e o Português básico está reduzido a menos de mil palavras, o que é péssimo», declarou à agência Lusa, criticando «esta falta de variedade, esta uniformidade em que caímos».
«O verbo “pôr” está a desaparecer, hoje toda a gente “mete”… Diz-se “meto a mesa” em vez de “ponho a mesa” e isto é mau. O verbo “fazer” também está a desaparecer: já ninguém “faz” perguntas, toda a gente “coloca” questões», exemplificou o filólogo.
Na sua opinião, «os portugueses complicam desnecessariamente uma língua que é uma obra-prima da nossa História» quando «o simples é o contrário do banal – falar com simplicidade, é falar bem, não é falar difícil nem com estereótipos banalizados».
«Ajudar à pronúncia correcta»
«O purista acabou, aquele indivíduo que nos dizia constantemente as regras da língua» já não existe, considerou Artur Anselmo, para quem a ortografia é importante sobretudo para «ajudar à pronúncia correcta».
«Agora, o que é a pronúncia correcta, a chamada ortoépia?», questionou-se, recordando que, tradicionalmente, se considerava que, no caso de Portugal continental, essa pronúncia passava numa isoglossa (fronteira geográfica de uma certa característica linguística) «situada aproximadamente entre a Mealhada e Leiria», dando-se como exemplo o “falar de Coimbra”, «devido ao prestígio da erudição universitária».
Actualmente, «a ortoépia é feita pelos comunicadores, pelos locutores. Os “predicatores”, que antes eram pessoas ligadas à Igreja e à Universidade, hoje são os comunicadores».
Número de filólogos «tem diminuído»
Por outro lado, o número de filólogos «tem diminuído consideravelmente» em Portugal, pois vive-se uma época «em que esse tipo de preparação universitária não é rendível ou, como para aí se diz, “rentável”», comentou.
«As línguas vão continuar a evoluir»
«Eu digo “rendível” porque sei que vem do latim e sei que o “rentable” francês deu o galicismo “rentável” mas vou para a praça pública crucificar-me a dizer “passem todos a usar rendível”?», interrogou-se, dando também o exemplo dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, cujo acrónimo correcto é PALOP.
Os portugueses dizem, por vezes, “PALOPS”. «O “s” não sei de onde veio mas o que é que eu vou fazer? Vou pegar numa régua e ameaçar todas as pessoas que dizem PALOPS? Quem manda na língua são os seus falantes e, se estes a falam mal, o problema é deles», declarou o investigador da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, para quem nem o Acordo Ortográfico «vai resolver todos os problemas».
«As línguas vão continuar a evoluir», sublinhou Artur Anselmo, dando como exemplo o Inglês: «Percebo que os ingleses não tenham acordo nenhum com a Austrália e que os australianos não tenham acordo nenhum com os Estados Unidos da América. Nós queremos consultar um dicionário do Inglês de Inglaterra e consultamos o Oxford mas, se queremos consultar o Inglês dos Estados Unidos, vamos ao Webster»

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